terça-feira, 29 de novembro de 2011

Um jeito divino de morrer



Numa tarde preguiçosa, aos setenta e nove anos eu levantei de minha poltrona o mais rápido que pude – ou no caso,o menos devagar que eu consegui – e arrastei meus pés cansados até o sofá onde você fazia o seu crochê. Estendi minha mão cheia de rugas e veias e manchas e tremor. E você, como um espelho, me estendeu a sua com as mesmas rugas e veias e manchas e a típica tremedeira. Estava tão linda quanto à primeira vez que a vi. “A beleza está nos olhos de quem vê, Querido”, você me disse a cinqüenta e oito anos atrás. Me olhou com estranheza e surpresa. Com aqueles olhos de menina que sempre teve. “Você tem olhos de gato” eu brincava. E olha que nem de gato eu gostava. Mas depois que a conheci eu quis ser um, apenas pra poder desfrutar das sete vidas que ao seu lado eu teria. Mas como eu não era um e tampoco tinha sete vidas, procurei valer cada segundo daquela que eu tinha, e olha, eu até que não me decepcionei. Você se levantou tão devagar quanto eu. Por entre os fios soltos que charmosamente caiam em mechas formando uma franja na fronte daquele rosto que eu amava da mesma forma que amei naqueles Maios e Junhos e Julhos e Dezembros e Abris depois que a minha vida pela sua passou. Beijei sua testa com as mesmas rugas da mão que eu ainda segurava. Afastei para detrás das orelhas aqueles cabelos brancos que outrora foram azuis e roxos e rosas e loiros e vermelhos e antes disso também brancos, que faziam tanto sucesso em suas redes sociais. Apoiei uma mão em suas costas e continuei segurando a outra. Arrastei os pés de um lado para o outro, evitando assim pisar em um dos seus pés como fiz na sua festa de quinze anos, lembra? Eu dancei da mesma forma, alguns quilômetros por hora a menos dessa vez, mas ainda foi do mesmo jeito: duro e desengonçado. Aquela valsa, agora sem música nenhuma. Você riu e perguntou o que tinha dado em mim. Eu disse que não era nada, apenas que eu ainda era aquele garoto de sempre, que fazia declarações do nada e que ainda era muito piegas, mais do que antes, disse também algo relacionado aos anos que se passaram e que eles foram responsáveis por esse meu sentimentalismo exagerado. Você sorria e entre uma frase e outra me chamava ainda daquele apelido de quatro letras que eu por tantas vezes quis tatuar no corpo. E por fim lhe expliquei que aquilo era apenas uma dança. E que tão velho, dançar com a pessoa que eu amava naquele momento era a coisa que mais me faria feliz no mundo. Pronto, eu estava realizado, ali, em seus braços eu poderia dançar para sempre e nunca mais reclamaria das dores nos pés, nem da osteoporose e nem dos tênis apertados. Dançar pelo resto da minha vida até que um dia eu deixasse esse mundo para ser eterno assim como o nosso amor. Morrer era algo que eu temia tanto quando jovem e naquele dia eu conheci a única verdade sobre a morte: que morrer ao seu lado seria um jeito divino de morrer.



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