sábado, 27 de abril de 2013

#Euteamo



Sentei sozinho para tomar meu café expresso de cada dia e, entre um gole e outro dessa dádiva estimulante, parei para observar os mínimos detalhes do pedaço de mundo no qual estava inserido naquele instante. Ao meu redor, vi os passos apressados de muitos engravatados, que certamente nem sabiam o motivo real de tanta pressa. Avistei um cachorro de pêlo macio e, por alguns segundos, invejei a vida fácil daquele canídeo de focinho aparentemente saudável. Olhei para a mesa ao lado e lá fixei o olhar. Estava diante de uma cena comum e característica dos novos tempos: um casal convivendo estupidamente calado, cujos corpos estavam presentes e as mentes certamente mergulhadas no infinito universo dos smartphones que portavam.

Não conseguia parar de olhar diretamente para aquele quadro urbano gelado. Pedi mais um café e, durante ininterruptos quinze minutos, não houve nenhum sinal de interação real entre aquelas duas mãos digitadoras, olhos vidrados e bocas lacradas. Permaneceram juntos, porém visivelmente distantes. Pediram a conta e seguiram em frente, cada qual para um lado. Ela colocou o iPhone 5 na bolsa, e ele, seu Galaxy S III no bolso. Certamente, dirão ao pessoal do trabalho que tiveram uma ótima manhã e que, naquele dia, tiveram o prazer de tomar café da manhã com seus respectivos amados. Mas eu estava lá, vi com meus próprios globos oculares e posso dizer sem medo de mentir: eles não estavam juntos! Ela comeu o pão na chapa na provável companhia do Mr. Facebook, e ele fotografou a xícara de café com leite para provavelmente informar ao Sr. Instagram.

Zuckerberg, Steve Jobs e Bill Gates contribuíram muito para inserção de muitos pixels nas veias de muitos relacionamentos modernos, mas não podem levar toda a culpa pela aceitação generalizada da falsa sensação de proximidade promovida pelos atalhos digitais. Somos responsáveis, também, por acharmos que 140 caracteres são suficientes para acelerar o coração de alguém. Somos autores diários desses amores sem tato e sem gosto, que se alimentam do toque de teclas e não dos lábios. Não podemos jogar todos esses megabytes de culpa no colo daqueles que criaram esses inventos incríveis.

Não acho que devemos deixar os benefícios da tecnologia de lado ou que precisamos abrir mão da modernidade e voltar às trevas das cavernas sem Wi-Fi. Nada disso. Só penso que nem o maior dos cientistas será capaz de inventar um atalho capaz de descartar a mistura de dois corpos em um quarto, quando o intuito é o contato real. Sei que o mundo ainda irá evoluir de forma surpreendente, mas sei também que um amor nunca poderá ser apagado com um simples “Ctrl + Alt + Del”. Até acho que conquistaremos outros planetas e que romperemos o limite de nossa galáxia, mas tenho certeza de que, mesmo a anos luz daqui, o tesão nunca poderá ser copiado e depois colado com a ajuda de um teclado.

Preste bastante atenção nos seus atos. Talvez, você não esteja percebendo o quanto as plataformas tecnológicas feitas para aproximar estão distanciando a sua pele da dele. SMS, e-mails e redes sociais são meios eficientes para o contato entre dois corpos que no momento não podem estar juntos, mas nunca, de forma alguma, esse tipo de contato poderá substituir a língua falada pelo nó entre duas línguas.

O amor de verdade sobrevive à falta de luz, à falta de bateria, à falta de ambientes com W-Fi. O amor de verdade só morre quando falta um coração.

Ricardo Coiro

Cuida dela.





Rapaz, diz pra ela que o meu bom dia ainda é dela. E que, se der, outro dia a gente se esbarra e eu levo umas flores pra ela. Faz dela um porto inseguro pra não se deixar levar pela rotina da maré calma. Beija o nariz dela que ela acorda na mesma hora e ainda dá uma espreguiçada com um sorrisão de partir o meu coração por não poder mais acordar ao lado dela. Ô rapaz, cuida dela com ternura. Essa garota precisa de alguém com tempo e com todo o coração do mundo pra entender a alma dela. Deixa ela descansar a cabeça no seu ombro, mesmo que você sinta um pouco de medo de se mexer. Eu nunca consegui ficar quieto com ela do lado.

Diz pra ela que ela é meu sonho bom. E que vai ser dureza não ter ligação nenhuma no meu celular pra responder. Coloca um toque personalizado, mas não escolhe nenhuma música especial pra vocês dois, rapaz. Puxa pruma valsa que ela sabe dançar bem demais. Ela tem um jeitinho de fugir dos meus braços que dá gosto. E não cai na armadilha dela, não. Se enroscar no pescoço dela é perigoso porque você pode ficar ali por tempo demais e se esquecer de olhar bem nos olhos dela. Diz pra ela que eu sei que eles não são castanhos, rapaz. Os olhos e ela são doces como mel. Dá pra sentir no gosto do primeiro beijo na chuva. E carrega sempre um remédio pra alergia na carteira. Dá pra prevenir os olhos dela de lacrimejarem por algum motivo bobo. Cuida bem pra ela não chorar, viu?

Diz pra ela que eu guardei os ingressos do nosso primeiro cinema e que ontem tava passando o filme na Sessão da Tarde. Pergunta se ela viu e se lembrou de mim durante os comerciais. Pergunta se ela ainda discute Godard com alguém ou se gostou de algum blockbuster recente e não quis confessar. Rapaz, ela sabe de tudo no mundo. Puxa assunto com ela, mas não deixa o silêncio consumir vocês dois. Ela é tagarela demais – e boa coisa não é se ela começar a ficar quieta. Aquieta o rosto no colo dela e deixa uma barbinha rala pra ela sentir cócegas. Ah, você faz bem em levar dois edredons pra cama porque senão corre o risco de passar frio. Ela é meio egoísta durante o sono. Diz pra ela que eu sinto falta das conchinhas e que até parei de reclamar da dor nos braços. Abraça forte sempre que der e escreve uns poemas também. Garanto que ela vai te inspirar a escrever um livro inteiro.

Ô rapaz, diz pra ela que eu soluço só de pensar em como vai ser daqui pra frente e que o meu norte foi embora junto dela. E diz também que eu reconheço que ela deve ser mais feliz com você do que comigo. Diz que eu não me conformo, mas vou tentar pensar nisso como um desvio de percurso – e que, até a gente se reencontrar, eu vou tentar garantir a felicidade dela por meio de umas dicas e recomendações que eu vou dar pra você. Ela gosta de beijos molhados e pouca agilidade na hora de se despir. O suor dela tem um gosto bom, rapaz, então não precisa – e nem pode – ter nojinho com ela. Compra cerveja ao invés de vinho e põe o chinelo dela na entrada pra ela se livrar logo do salto quando chegar. Não trabalha muito até tarde porque ela vai depender de alguma atenção sua pra ter certeza de que fez uma escolha justa em me deixar. E fala sobre música, sobre algo de blues e jazz e deixa ela sentar pra tocar piano naquele restaurante grã-fino dos Jardins. Diz pra ela que eu aprendi uma partitura pra poder me lembrar dela.

Cuida bem dela e diz pra ela que um dia a gente se encontra se ela resolver que dá pra ser feliz aqui. Mas se ela preferir ficar por aí, faz dela o seu grande amor, rapaz. Diz pra ela que a solidão só anda doce porque eu ainda penso nela. E dá um beijo de boa noite na testa dela por mim, rapaz. E não precisa dizer nada depois disso. Ela vai fechar os olhos e se lembrar de mim.

Não dê tempo, dê amor.



Como num filme antigo em preto e branco, a cena acontece ruidosa, acompanhando a imagem trêmula da tela que reproduz perfeitamente a palpitação dos lábios que nada dizem. As mãos mantêm-se unidas pelas pontas dos dedos, amparadas pelo medo da separação. Os olhos embargados pelas lágrimas tentam ostentar um perfil de certeza, mesmo sabendo que dali pra frente, nada mais seria solo firme.

–Vamos dar um tempo – sussurra um, com a voz falha e apreensiva, dessas que esperam uma catástrofe natural ou um telefonema urgente para correr dali, evitando assim o embaraço do momento.

O outro lado nada responde. Apenas balança a cabeça positivamente, encarando os sapatos manchados pelas gotas de lágrima que insistem em cair ao lado daquela mancha de vinho tinto, boa lembrança da noite em que ele cismou de dançar tango com uma taça nas mãos. Perdeu-se o sapato naquele dia, mas ganharam-se demasiados sorrisos. E agora, naquela tarde fria e chuvosa, perdiam-se o sapato, os sorrisos, o momento. Perdia-se também o precioso tempo.

Às vezes o “dar um tempo” é subjetivo, fica mudo nas entrelinhas de uma relação que terminou, porém continua viva, presa na corda invisível do sentimento inacabado, da palavra não dita, do e-mail saudoso, da distância que não se permite ser permanente. Fica acordado no instante em que o cansaço bate e o coração apanha, que ambos precisam de um tempo pra pensar melhor, pra decidir que caminho seguir, tempo pra tomar coragem. Coragem pra dizer, fazer, aceitar, aquilo que há muito já estava em negação.

Mas o quê de fato significa dar um tempo? Na minha concepção, apenas um punhado de horas extras para se refletir mais acerca de uma coisa que, na grande maioria das vezes, já está decidido. A gente sabe. A gente sempre sabe o que quer, mas falta coragem pra arcar com as consequências e os pormenores do futuro absurdamente amedrontador que está por vir: o amanhã sem as mãos dadas para sempre. Não é o momento que chega, é a gente que chega pronto no momento. Nenhuma decisão é tomada no dia exato de ser colocada em prática.

Nossas escolhas são diárias, como moedinhas colocadas inocentemente num potinho de sonhos. Quando deixamos de “enriquecer”, quando o potinho começa a esvaziar ou simplesmente quando gastar a moedinha começa a valer mais a pena que depositá-la esperançosa no potinho, quer dizer que o sonho, talvez, tenha perdido o sentido. Daí a gente tenta postergar, afinal de contas, era um sonho tão lindo. E resolve colocar nas mãos do tempo uma fraqueza tão nossa: a dificuldade de assumir que infelizmente os caminhos divergiram, e talvez, só talvez, seja melhor seguir sozinho.

Uma semana, um mês, um ano a mais. Nada disso vai te fornecer uma verdade diferente daquela que você vislumbrou quando se chateou naquele décimo domingo seguido em que ela implicou com o futebol com os amigos. Ou quando a desculpa da dor de cabeça precisou ser usada pela terceira vez esse mês pra evitar dormir na casa dele. Uma relação, quando se desgasta, nunca é de vez. É sempre aos pouquinhos, nos pequenos requintes de delicadeza do cotidiano que se desfazem, e junto com eles vão-se as certezas. Claro que um término deve sempre ser muito bem ponderado, analisado e refletido, independente da natureza do envolvimento ou do tempo de duração. Mas que isso de preferência não envolva duas pessoas estagnadas em um espaço de tempo pré-determinado (direta ou indiretamente) à espera de um sinal divino que as convença de tomar outro caminho.

O tempo não resolve nada. Pessoas resolvem as coisas. Não acabou? Então lute, lute bastante, lute até o fim. É o fim? Que as pontuações gramaticais sejam empregadas da melhor forma e que as vírgulas e reticências deem lugar aos pontos finais. Até porque começar uma nova frase, mesmo que seja no mesmo capítulo, é muito mais emocionante do que preencher uma lacuna entre vírgulas. Coragem para seguir o rumo que precisa ser seguido. Respeito para não “amarrar” o outro em uma coleira imaginária enquanto você vai ali, testar infinitas outras possibilidades de vida e amor, pra ver se é isso mesmo que você quer para esta estação. Amor para permitir que o outro faça suas próprias escolhas, no livre arbítrio de ser, estar, permanecer e – por que não? – se arrepender depois.

No mais, um bom vinho, um livro, e um banquinho na praça num entardecer de domingo… Porque os mesmos ventos que levam no outono as folhas secas e cansadas trazem de volta na primavera os lírios e as cerejeiras, que podem ou não dar no mesmo pé de outrora, mas certamente florescerão mais lindos e renovados do que nunca.

Danielle Daian

Sobre amores e conchinha. Porque parceria é mais do que transar todo dia.



“Felicidade pra mim é pouco. Eu preciso de euforia.” Essa máxima tem mais adeptos do que se pode imaginar. Em um mundo de baladas alucinantes e sexo fácil, não é de se estranhar que as verdadeiras parcerias sejam cada vez mais raras. Isso porque o conforto da conchinha em dias frios e do filminho a dois no domingo não tem sido suficiente para satisfazer enérgicos caçadores de êxtase.
 A verdade é que algumas pessoas precisam estar em estado permanente de paixão. Só dançar não basta – é preciso ultrapassar todos os limites do seu corpo; só amar não basta – tem que ter orgasmos múltiplos todo dia; se identificar com a profissão não basta – É preciso gostar tanto do trabalho a ponto de ficar ansioso pela segunda-feira.
 E os relacionamentos têm obedecido – lamentavelmente – esse vírus moderno da insaciabilidade aguda. Arrisco dizer que é por isso que as verdadeiras parcerias caíram de moda. Não se troca mais a liberdade da solteirice pelo tédio que um relacionamento estável supõe. Mas quem se recusa a essa troca certamente desconhece a sensação surreal de uma conchinha. De gargalhadas épicas assistindo a um programa de humor sem graça no sábado à noite. Do tesão inigualável de um sexo com amor (sexo com amor, não necessariamente sexo amorzinho).
 As parcerias ainda estariam “em alta” se as pessoas parassem de esperar delas essa tal euforia. Espera-se sexo avassalador diariamente quando, às vezes, se pode querer simplesmente pegar no sono depois do jantar. Espera-se conversa e tagarelices sem fim enquanto se pode, vez ou outra, querer simplesmente permanecer em silêncio – e, calma, isso não é um problema.
 Achar que todo relacionamento se sustenta na base do sexo três vezes ao dia e ter certeza de que há algo de errado se o outro recusa é uma utopia. O amor é poder ser você mesmo. Poder assumir que quer só dormir de conchinha – sem tabus, sem a obrigação da paudurecência permanente. Sentir-se bem com o outro de chinelo e camisa de propaganda, sem maquiagem e descabelada. Eu diria que amar é, acima de tudo, sentir-se à vontade. Sem pressa, sem euforia, sem regras estabelecidas. Por que amor é liberdade.
 É preciso aceitar o outro em todas as suas versões, inclusive nos dias ruins. A rotina é o preço que se paga pra se ter um grande amor sempre ao lado – um preço irrisório quando ela se torna absolutamente deliciosa. E isso só é possível ao lado de quem se ama. Apaixonar-se é bom. Mas o amor tem privilégios que só podem ser desfrutáveis na calmaria.

Nathalie Macedo

Não, não precisa me amar.



Pode vir se quiser. Se não quiser, tudo bem. Mas se decidir vir, vem despido – despido de esperança, de expectativa, de apego. Vem sem aliança, sem promessa, sem flores. Vem só você mesmo. E não precisa me amar, não precisa fazer serenata, não precisa de flerte, palpitação, tremedeira. A gente sela esse acordo não verbal e aí ambos saem ganhando. Feito?
 Eu espero você chegar, mas não demora muito, tá? Senão eu acabo adormecendo. Deixo você se sentar no sofá, pode até escolher o canal (desde que não seja futebol). Eu vou deitar no seu colo, e te permito acariciar as minhas madeixas, leve e vagarosamente. Mas não vem com carinho, não vem com ternura, pois quando minha nuca se arrepiar, vai ser uma reação física e não química.
 Eu pego umas cervejas na geladeira e você me escuta tagarelar sobre o aumento do aluguel, a morte da Dama de Ferro e o novo filme do James Franco. Nem faço questão de que você se importe, só segue meus olhos enquanto eu falar, franze a testa e acena de vez em quando. Mas não me encare com afeição e também não sorri muito, daquele seu jeito bobo e despreocupado. Pode até falar de você, se te der vontade. Eu não vou interromper quando for sua vez, prometo. Talvez eu só segure sua mão e a aperte um pouco a cada dois minutos pra você saber que eu ainda estou te acompanhando, afinal, é indelicado sucumbir ao sono no meio de uma conversa… a não ser que você me conte uma história pra dormir.
 E pode ser que você consiga beijar minha boca, e eu até percorro os dedos pela sua barba espessa e seu cabelo preto. Só não se anime muito, pois o calor que emanar do meu corpo não tem nada a ver com você. É que qualquer outro par de mãos deslizando pelas minhas costas ou quaisquer outros lábios atiçando um esgar de mordida faria minha temperatura subir. Quem sabe acabemos nos rendendo à compulsão da volúpia, mas puramente por instinto carnal, não por algum sentimento. É claro.
 Talvez nós durmamos abraçados, no sofá mesmo, pra poupar intimidade. Eu encosto a minha cabeça no seu pescoço e você me enlaça pela cintura. Nada de muito amoroso. Só me aperta mais junto caso fique frio, afinal eu não quero me resfriar. E não beija minha testa nem fica me olhando enquanto estou dormindo, existe algo mais constrangedor que isso? Pode ser que eu me aconchegue bem perto durante a madrugada e fique observando seu peito subir e descer a cada lenta respiração, mas isso é coisa que eu faço mesmo, nas noites que tenho insônia. Nada de especial.
 Por fim, quando o sol lamber seu rosto e você acordar, tenta ir embora sem eu perceber. Assim é melhor, pega suas coisas e sai. Não é que eu vá sentir sua falta, eu só prefiro evitar qualquer ínfima possibilidade do meu coração apertar e ficar vazio. Não precisa se despedir, porque despedidas me deixam irritada. Tranca a porta e passa a chave por baixo, por favor. Não deixa bilhete, cheiro ou café. Nenhum vestígio. Vai embora como se nunca tivesse vindo, e eu vou continuar a te amar como se nunca tivesse te amado. Pode ser?

Quando as diferenças fazem toda a diferença.



Eu preciso concordar com o que você disse outro dia enquanto tomávamos café da manhã: a gente é muito diferente apesar da vida em dupla. E, mesmo te olhando com um resto de sono misturado com ressaca, ri porque sabia que era verdade. Somos diferentes mesmo. E não é pouco não. Arrisco a dizer que não fazemos nem o nosso próprio tipo.
 Você sabe que eu gosto da noite, mas não da sua noite. Eu não sei beber, nem dançar direito. Você é oposta pelo vértice. Você prefere na cama, enquanto eu arriscaria além. Eu sei cuidar das flores que você esquece de regar. Você pensa demais. Eu falo demais. Te irrita o meu prazer em atiçar a sua curiosidade. Eu curto um drama bem feito. Você escolhe as comédias. Eu dispenso a televisão que você insiste em deixar ligada. Eu tento salvar um pedacinho de edredom que você cisma em puxar todo pra você.
 A gente é mesmo muito diferente.
 Às vezes me pergunto como a gente consegue. E a resposta vem seca, curta e grossa, como um motorista impaciente buzinando quando o sinal ainda nem abriu.
 Ninguém é do jeito que a gente é.
mNinguém fica tão charmosa naquela minha samba canção de motivos navais que nem você. Ninguém mais liga no meio da tarde só pra dizer que comprou os ingressos da peça que a gente queria tanto ver. Ninguém, pequena, me abraça daquele jeito quando chego de viagem. Ninguém mais sabe preparar aquele filé de peixe com purê de batatas a não ser você. Ninguém, ninguém, mas ninguém mesmo sabe respirar roçando na minha orelha do seu jeitinho. Ninguém fica tão irresistível quanto você passeando pela casa só de calcinhas. Ninguém, menina, consegue aquele sorriso de canto de boca que nem o seu. Ninguém me apaixona e reapaixona todos os dias. Só você. Só você.
 Ainda bem que somos diferentes. Ainda bem. São essas diferenças que fazem toda a diferença para o nosso amor.

Pedro Henrique Cordeiro

quinta-feira, 25 de abril de 2013

DIVÓRCIO



.Meus amigos separados não cansam de perguntar como consegui ficar casado 30 anos com a mesma mulher. As mulheres sempre mais maldosas que os homens, não perguntam a minha esposa como ela consegue ficar casada com o mesmo homem, mas como ela consegue ficar casada comigo. Os jovens é que fazem as perguntas certas, ou seja, querem conhecer o segredo para manter um casamento por tanto tempo. Ninguém ensina isso nas escolas, pelo contrário. Não sou um especialista do ramo, como todos sabem, mas dito isso, minha resposta é mais ou menos a que segue:
.Hoje em dia o divórcio é inevitável, não dá para escapar. Ninguém agüenta conviver com a mesma pessoa por uma eternidade. Eu, na realidade já estou em meu terceiro casamento – a única diferença é que casei três vezes com a mesma mulher.
.Minha esposa, se não me engano está em seu quinto, porque ela pensou em pegar as malas mais vezes que eu. O segredo do casamento não é a harmonia eterna. Depois dos inevitáveis arranca-rabos, a solução é ponderar, se acalmar e partir de novo com a mesma mulher.
 De tempos em tempos, é preciso renovar a relação. De tempos em tempos é preciso voltar a namorar, voltar a cortejar, seduzir e ser seduzido. Há quanto tempo vocês não saem para dançar? Há quanto tempo você não tenta conquistá-la ou conquistá-lo como se seu par fosse um pretendente em potencial?
 Há quanto tempo não fazem uma lua-de-mel, sem os filhos eternamente brigando para ter a sua irrestrita atenção?
Sem falar dos inúmeros quilos que se acrescentaram a você depois do casamento. Mulher e marido que se separam perdem 10 kg em um único mês, por que vocês não podem conseguir o mesmo?
 Faça de conta que você está de caso novo. Se fosse um casamento novo, você certamente passaria a freqüentar lugares novos e desconhecidos, mudaria de casa ou apartamento, trocaria seu guarda-roupa, os discos, o corte de cabelo, a maquiagem. Mas tudo isso pode ser feito sem que você se separe de seu cônjuge.
 Vamos ser honestos: ninguém agüenta a mesma mulher ou o mesmo marido por trinta anos com a mesma roupa, o mesmo batom, com os mesmos amigos, com as mesmas piadas. Muitas vezes não é a sua esposa que está ficando chata e mofada, é você, são seus próprios móveis com a mesma desbotada decoração.
 Se você se divorciasse, certamente trocaria tudo, que é justamente um dos prazeres da separação. Quem se separa se encanta com a nova vida, a nova casa, um novo bairro, um novo circuito de amigos.
 Mas se você se separar, sua nova esposa vai querer novos filhos, novos móveis, novas roupas e você ainda terá a pensão dos filhos do casamento anterior.
 Não existe essa tal “estabilidade do casamento” nem ela deveria ser almejada. O mundo muda, e você também, seu marido, sua esposa, seu bairro e seus amigos.
 A melhor estratégia para salvar um casamento não é manter uma “relação estável”, mas saber mudar junto. Todo cônjuge precisa evoluir, estudar, aprimorar-se, interessar-se por coisas que jamais teria pensado em fazer no inicio do casamento. Você faz isso constantemente no trabalho, porque não fazer na própria família?
 É o que seus filhos fazem desde que vieram ao mundo. Portanto descubra a nova mulher ou o novo homem que vive ao seu lado, em vez de sair por aí tentando descobrir um novo interessante par. Tenho certeza que seus filhos os respeitarão pela decisão de se manterem juntos e aprenderão a importante lição de como crescer e evoluir unidos apesar das desavenças. Brigas e arranca-rabos sempre ocorrerão: por isso de vez em quando é necessário se casar de novo, mas tente fazê-lo sempre com o mesmo par.
 Como vê, NÃO EXISTE MÁGICA – EXISTE COMPROMISSO, COMPROMETIMENTO E TRABALHO – é isso que salva casamentos e famílias.”
.Arnaldo Jabor.

Chamei meu amor proprio de volta, e ele obedeceu.



O verdadeiro problema, era o amor próprio que estava me faltando. O amor próprio, que eu deixei de lado, pra me dedicar inteiramente a você. Acho, que você nem imagina, quantos sábados eu passei em casa, sozinha, à noite, vendo as fotos que você postava, fazendo questão de mostrar que estava feliz, estava em outra. Você também deve não saber, até porque eu nunca te falei, o quanto isso me machucava. Sim, você leu certo, machucava. Passado! Hoje, não me atinge mais. Hoje, eu passo por você, e você é apenas mais uma pessoa no mundo.

Optei pela resposta mais simples.




“— Você sumiu.
Naquele momento eu gostaria de ter dado as respostas mais clichês - “Você me procurou?, ou, “Meu endereço é o mesmo” - Queria ter gritado a mais cruel verdade - “Me afastei pra ver se sentia minha falta” - e outras mil frases que vieram em mente. Suspirei e disse as únicas palavras que consegui:
— Você também sumiu.”

segunda-feira, 22 de abril de 2013

O fim de um relacionamento nunca se limita apenas ao casal.

 

Meu telefone parou de tocar. Recentemente, terminei – a contragosto, confesso – um relacionamento de 15 anos. Quase um terço da minha vida e um pouco menos da metade da vida dela. Foi um processo desgastante, lento e doloroso. Com os calos que o desgaste tende a causar na alma, a recuperação vem sendo menos sofrida. Nossa união tornou-se uma sucessão de hábitos e repetições que nos puseram num mundo tão próprio e particular que, agora, é preciso um GPS para reencontrar o universo dos solteiros.

Normal sentir-se perdido. Nessa “mudança estrutural de vida”, para não dizer “o furacão que me arrancou dos alicerces”, poucos amigos mantiveram contato. Eles desapareceram. É provável que tenham aderido à minha outra ex-metade.

O fim de um relacionamento nunca se limita apenas ao casal. A perda se expande. No meu caso, e para alguém que tem apego às mínimas coisas, sofro com as mudanças, por constatar que nada é mais o mesmo. Meu sofá? Esse já era. Minha cama ou minha geladeira ou minha varanda… meu home theater Bose LifeStyle T20, meu cachorro… Putz!! Esse foi objeto de muita briga. Claro que o uso do possessivo “meu” implica “nosso”, o que, nessa situação, continua “dela”. Quando fui fazer o cômputo dos 15 anos, eis o balanço: saí com três malas, dez caixas de livros e minhas coleções de Elton John e Journey.

O mundo aqui fora parece enorme e pronto para minha “reconstrução”. Preciso passar por uma desintoxicação conjugal e deixar que toda aquela carga do relacionamento anterior seja eliminada. Tem funcionado para mim. Não posso reclamar por completo. Minhas carências e necessidades estão sendo supridas, por ora, com o velho e bom sexo seguro de uma ou outra “amiga com benefícios”, assim elas o chamam.
A solidão será temporária. Eu espero. Todo esse turbilhão conduz, no meu caso, a tomar novas decisões. Diferente de no passado, todo esse processo agora só interessa a mim. Não será mais em conjunto. Decido tudo sem consultas. Sou, daqui em diante, o único rei e mestre do meu destino. Faço e desfaço.

Nesse momento de decisões tantas, lembro-me de um dos meus poetas americanos preferidos, Robert Frost, e de seu magistral texto The Road not Taken, que fala que as escolhas mais improváveis podem fazer toda a diferença. Ele relata a existência de dois caminhos num certo bosque, num certo outono. Observando ambas as trilhas em sua extensão até sumirem bosque adentro, percebe que uma era bastante gasta, nela grama já não havia, e a outra parecia querer ser gasta… A primeira, deixou para outro dia, tomando a segunda, menos percorrida, e esta fez toda a diferença.
O poema me causa arrepios e esperança. E, tendo eu escolhido a “trilha menos percorrida”, espero que minha escolha faça toda a diferença e, quem sabe, o telefone volte a tocar.

Tati Bernardi

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Cuida dela por mim.




Rapaz, diz praela que o meu bom dia ainda é dela. E que, se der, outro dia a gente se esbarra e eu levo umas flores pra ela. Faz dela um porto inseguro pra não se deixar levar pela rotina da maré calma. Beija o nariz dela que ela acorda na mesma hora e ainda dá uma espreguiçada com um sorrisão de partir o meu coração por não poder mais acordar ao lado dela. Ô rapaz, cuida dela com ternura. Essa garota precisa de alguém com tempo e com todo o coração do mundo pra entender a alma dela. Deixa ela descansar a cabeça no seu ombro, mesmo que você sinta um pouco de medo de se mexer. Eu nunca consegui ficar quieto com ela do lado.

Diz pra ela que ela é meu sonho bom. E que vai ser dureza não ter ligação nenhuma no meu celular pra responder. Coloca um toque personalizado, mas não escolhe nenhuma música especial pra vocês dois, rapaz. Puxa pruma valsa que ela sabe dançar bem demais. Ela tem um jeitinho de fugir dos meus braços que dá gosto. E não cai na armadilha dela, não. Se enroscar no pescoço dela é perigoso porque você pode ficar ali por tempo demais e se esquecer de olhar bem nos olhos dela. Diz pra ela que eu sei que eles não são castanhos, rapaz. Os olhos e ela são doces como mel. Dá pra sentir no gosto do primeiro beijo na chuva. E carrega sempre um remédio pra alergia na carteira. Dá pra prevenir os olhos dela de lacrimejarem por algum motivo bobo. Cuida bem pra ela não chorar, viu?

Diz pra ela que eu guardei os ingressos do nosso primeiro cinema e que ontem tava passando o filme na Sessão da Tarde. Pergunta se ela viu e se lembrou de mim durante os comerciais. Pergunta se ela ainda discute Godard com alguém ou se gostou de algum blockbuster recente e não quis confessar. Rapaz, ela sabe de tudo no mundo. Puxa assunto com ela, mas não deixa o silêncio consumir vocês dois. Ela é tagarela demais – e boa coisa não é se ela começar a ficar quieta. Aquieta o rosto no colo dela e deixa uma barbinha rala pra ela sentir cócegas. Ah, você faz bem em levar dois edredons pra cama porque senão corre o risco de passar frio. Ela é meio egoísta durante o sono. Diz pra ela que eu sinto falta das conchinhas e que até parei de reclamar da dor nos braços. Abraça forte sempre que der e escreve uns poemas também. Garanto que ela vai te inspirar a escrever um livro inteiro.

Ô rapaz, diz pra ela que eu soluço só de pensar em como vai ser daqui pra frente e que o meu norte foi embora junto dela. E diz também que eu reconheço que ela deve ser mais feliz com você do que comigo. Diz que eu não me conformo, mas vou tentar pensar nisso como um desvio de percurso – e que, até a gente se reencontrar, eu vou tentar garantir a felicidade dela por meio de umas dicas e recomendações que eu vou dar pra você. Ela gosta de beijos molhados e pouca agilidade na hora de se despir. O suor dela tem um gosto bom, rapaz, então não precisa – e nem pode – ter nojinho com ela. Compra cerveja ao invés de vinho e põe o chinelo dela na entrada pra ela se livrar logo do salto quando chegar. Não trabalha muito até tarde porque ela vai depender de alguma atenção sua pra ter certeza de que fez uma escolha justa em me deixar. E fala sobre música, sobre algo de blues e jazz e deixa ela sentar pra tocar piano naquele restaurante grã-fino dos Jardins. Diz pra ela que eu aprendi uma partitura pra poder me lembrar dela.

Cuida bem dela e diz pra ela que um dia a gente se encontra se ela resolver que dá pra ser feliz aqui. Mas se ela preferir ficar por aí, faz dela o seu grande amor, rapaz. Diz pra ela que a solidão só anda doce porque eu ainda penso nela. E dá um beijo de boa noite na testa dela por mim, rapaz. E não precisa dizer nada depois disso. Ela vai fechar os olhos e se lembrar de mim.